Da Veja
Às vésperas da virada do ano, o governo do Maranhão anunciou o envio de 60 homens da Polícia Militar e do Batalhão de Choque para atuar na segurança do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, que chocou o país com cenas de barbárie medieval: decapitações, detentos esfolados vivos e cadáveres empilhados após brigas de facções criminosas. A ação da governadora Roseana Sarney (PMDB) tinha um objetivo claro: evitar uma intervenção federal – precisamente, o envio de tropas do Exército – em assuntos internos do Estado. No entanto, logo no segundo dia do ano, Pedrinhas contabilizou mais duas mortes em circunstâncias não menos cruéis: um preso foi estrangulado até morte e outro foi perfurado dezenas de vezes por um “chuço” – objeto pontiagudo fabricado pelos detentos, similar a uma pequena lança. O número de presos assassinados chega a 62 desde janeiro do ano passado.
Roseana tem até esta segunda-feira para responder a um questionamento do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre a crise que não consegue estancar no complexo penitenciário. Cabe a Janot acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) por uma intervenção federal no presídio. Pedrinhas é o maior complexo penitenciário do Maranhão, com capacidade para abrigar 1.700 homens. No entanto, atualmente há 2.200 encarcerados no local.
Não bastasse o caos no interior do presídio, os criminosos encarcerados também tentaram dar uma demonstração de força contra o governo maranhense. Após revistas nas celas de Pedrinha – foram apreendidas dezenas de celulares e uma pistola – nesta sexta, os detentos ordenaram uma onda de ataques nas ruas de São Luís. Quatro ônibus foram incendiados, uma delegacia foi alvo de tiros e um policial militar foi assassinado. Cinco pessoas sofreram queimaduras, entre elas uma criança de seis anos que está em estado grave. A Secretaria de Segurança Pública confirmou que a ordem para os ataques partiu de dentro de Pedrinhas.
Três pessoas suspeitas de participar do ataque a ônibus na cidade de São Luís foram presas na noite da sexta-feira, informou o Sistema de Segurança do Maranhão na tarde deste sábado. Tanto a Polícia Militar (PM) como a Polícia Civil aumentaram o efetivo na região a fim de controlar a onda de violência.
O cenário de barbárie foi descrito em um relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com base em uma inspeção feita em dezembro. O documento foi enviado ao presidente do CNJ e do Supremo, Joaquim Barbosa, e ao procurador-geral da República. A conclusão do documento é aterradora: uma penitenciária superlotada controlada por facções criminosas e um governo omisso e “incapaz de apurar, com o rigor necessário, todos os desvios por abuso de autoridade, tortura, outras formas de violência e corrupção praticadas por agentes públicos”. O texto é assinado pelo juiz auxiliar da presidência do CNJ, Douglas de Melo Martins.
Histórico – Segundo o documento, os sucessivos motins e as execuções são resultado de uma briga histórica entre dois grupos de criminosos, um da capital, e o outro do interior, apelidados de “baixadeiros”. Atualmente, três facções atuam no local: Primeiro Comando do Maranhão e Anjos da Morte, formada por presos do interior, e o Bonde dos 40, a mais violenta do presídio e organizada por presos da capital.
Quando chegam a Pedrinhas, os novos presos são forçados a aderir a uma das facções e informados da principal lei vigente no presídio: quem não obedecer aos líderes dos pavilhões será sentenciado à morte. Além de conseguir levar drogas e dinheiro para o presídio por meio de familiares, alguns são obrigados a entregar a mulher, namorada ou familiares para serem abusadas pelo líderes das facções. “Eles obrigam os detentos presos por crimes menores a prostituírem as próprias esposas, namoradas, sobrinhas e até filhas. O detento que não aceita as regras impostas acaba pagando com a própria vida. Casos de estupro acontecem rotineiramente”, disse Martins ao site de VEJA.
A prática de abuso sexual é facilitada pelo modo como são realizadas as visitas íntimas. “As mulheres são postas todas de uma vez nos pavilhões e as celas são abertas. Os encontros íntimos ocorrem em ambiente coletivo”, afirma o documento. Além das brigas entre facções rivais, o desentendimento entre os presos em relação a visitas íntimas é o principal motivo das mortes ocorridas no último ano.
Sem controle – O método da tortura também é recorrente nos crimes. Um vídeo citado pelo documento mostra um detento vivo com a pele da perna dissecada, expondo músculos e ossos, antes de ser executado. Outras gravações e fotos mostram detentos decapitados. Segundo o texto, uma das vítimas foi encontrada na lixeira do presídio, com partes do seu corpo distribuídas em sacos de lixo. “Presenciei uma situação em que, depois de deceparem a cabeça do indivíduo, eles abrem a barriga e a colocam dentro, espalhando as vísceras”, afirma Martins.
Após a vistoria realizada no mês passado, o relatório concluiu que a situação do presídio está fora de controle. “Verificou-se que não há mais condições de manter a integridade física dos presos, seus familiares e de quem mais frequente os presídios de Pedrinhas”, informou o documento.
Nos autos, Martins afirma que os agentes penitenciários tinham que negociar com os presos para ter acesso aos pavilhões e tinham medo deles porque a equipe do CNJ estava inspecionando a unidade em dia de visita íntima, que poderia ser interpretado como um “ato de desrespeito” por parte dos detentos. Martins relata que atiraram um olho humano nele durante a vistoria.
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