26
jul
2019

‘Quem não conseguir 50 mil por dia é um fracassado’, diz empresário suspeito de pirâmide

Philip Han, da FX Trading, promete 1,5% de ganho por dia com investimento em criptomoedas, como o bitcoin.

– Reportagem: Renato Jakitas, do Estadão.

Philip Han. Reprodução.

Carros de luxo, viagens internacionais em primeira classe, roupas de grife e um medalhão de ouro 24 quilates no pescoço com o símbolo de um bitcoin. Nas redes sociais, Philip Han estampa uma vida de “empresário ostentação“, status que diz ter alcançado graças às suas empreitadas de sucesso no mundo do marketing de rede, também chamado de multinível.

Marketing multinível é uma modalidade de negócio que envolve a venda direta de produtos. Além dos próprios revendedores se engajarem na comercialização, eles constroem redes de colaboradores associados e passam a receber comissões sobre o faturamento de todo o grupo.

Segundo investigadores da Polícia Federal e representantes da Procuradoria da Fazenda, o patrimônio de Han foi construído como dono de uma empresa de investimentos chamada FX Trading, empreendimento que promete 1,5% de lucro ao dia para o investidor a partir da compra e venda de moedas virtuais, como o bitcoin.

A empresa, que opera no modelo de multinível, é investigada por prática de pirâmide pela polícia e teve sua atividade suspensa pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por atuação irregular no mercado de capitais. Na semana passada, a empresa encerrou a captação. Segundo relatos de alguns líderes de equipe de invetidores da FX, Han pagou os investidores menores e tem procurado os principais investidores para negociar o débito com eles. Ele estaria vinculando o pagamento dos líderes ao cadastro da rede de parceiros em uma nova empresa, a F2 Trading, lançada na semana passada em Dubai, nos Emirados Árabes.

Aos 37 anos, Philip Han se apresenta como coach de negócios, coordenador de marketing multinível, palestrante motivacional e, ultimamente, escritor de autoajuda. Ele prepara o lançamento de seu primeiro livro, “Vamos Fazer História e Ponto Final”, título que reproduz o slogan empregado por ele e pelos demais participantes da FX em eventos e convenções para aumentar essa base de colaboradores.

Paranaense de Foz do Iguaçu, no Paraná, mas falando português com sotaque estrangeiro, ele tem um currículo construído dentro da venda direta, com passagens por empresas regionais, pouco conhecidas, onde teria aprendido artimanhas da gestão e motivação de vendedores autônomos.

De acordo com a Polícia, Han “estagiou” em outros negócios de investimento também declarados clandestinos pela CVM e investigados pela polícia por prática de crime contra a economia popular, como WCM777, Mr. Link e iFreex. A última rendeu a Han sua primeira ficha policial.

Outras empresas suspeitas foram analisadas pela reportagem. A maior parte é tocadas por empresários já conhecidos pela polícia, com histórico de envolvimento em outras piramides financeiras (veja no gráfico abaixo).

A iFreex teria servido como uma espécie de laboratório para o modelo atual da FX Trading. A empresa, diz a Polícia Federal, atuava no ramo de telecomunicações, mas a suspeita é que o objetivo do negócio era aumentar a base de investidores, não o de escoamento de produtos. Ou seja, uma pirâmide financeira.

“O negócio deles, basicamente, era um aplicativo de mensagens, um concorrente similar ao WhatsApp, mas pago. Quem pagaria por algo que é igual a outro e de graça?”, diz Guilherme Helder, delegado da Polícia Federal do Espírito Santo, responsável pela Operação Mintaka, que apura os desvios da empresa. Um inquérito foi instaurado e está hoje em fase final.

Os dados da investigação, que são públicos, informam que Philip Han era um dos sócios da empresa, registrada em um paraíso fiscal. Cerca de mil investidores, a maioria médicos, teriam sido lesados. Alguns relatam perdas de cerca de R$ 600 mil nesse negócio.

Essa, ainda segundo a polícia, foi a última parada de Philip Han antes de sua aparição meteórica na FX Trading.

“Eu conheci o Philip Han há bastante tempo”, conta um empresário do ramo de marketing multinível, que pede para não se identificar. “Sinceramente, já conheci muito picareta e sei identificar um de longe, mas o Han me surpreendeu. Pareceu um cara super de boa, família, carismático. Fazia Jeunesse, empresa séria (do ramo de cosméticos). Parecia ser um cara legal, mas pelo jeito só parecia”, diz.

INVESTIGAÇÃO

Os esquemas de pirâmides financeiras são antigos no Brasil. O mais famoso talvez tenha sido o da Fazendas Reunidas Boi Gordo, que prometia lucros fantásticos com a engorda de gado, mas que faliu deixando um passivo de mais de R$ 4 bilhões e mais de 30 mil pessoas lesadas.

Agora, a onda parecem ser as pirâmides com criptomoedas, como o bitcoin. Nos últimos meses, as autoridades têm fechado o cerco sobre esquemas que, segundo a polícia, atuam como empresas clandestinas de investimentos. Com ajuda de um grupo anônimo de hackers, formado por integrantes do mercado de criptomoedas e sob a supervisão de autoridades, foram identificados mais de 50 esquemas do gênero em atividade no Brasil. Para as autoridades, a FX Trading, de Philip Han, é um desses esquemas.

Em maio último, Han foi a principal estrela na convenção da FX Trading na casa de espetáculos Credicard Hall, endereço tradicional na zona sul de São Paulo. O evento reuniu cerca de sete mil pessoas, lotação máxima da casa, atraindo investidores e interessados em conhecer o negócio que, segundo dados da própria empresa em redes sociais, reuniu 2 milhões de participantes pelo Brasil.

Um desses participantes foi Clarindo Neto, líder de uma das redes da FX, hoje na F2. “O Philip é o maior líder da empresa e está bilionário. Isso daqui é um sucesso, é o melhor negócio do mundo para ganhar dinheiro”, diz, animado com o evento. Ele tinha acabado de chegar de Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, na região metropolitana de Recife. Veio de ônibus a São Paulo para um bate-volta. Retornaria no dia seguinte. “Vale muito a pena essa viagem. Eu iria até para a China. Esse negócio vai resolver a minha vida”, afirma. “Sou exemplo. Comecei com US$ 110 em 24 de dezembro, já tenho uma equipe de 549 pessoas e um faturamento de R$ 86 mil.”

“Vou te explicar como funciona isso aqui”, diz Roberto, de Belo Horizonte, outro dos líderes da rede, ao ser questionado pela reportagem. A reportagem suprimiu o sobrenome a pedido do investidor. “É tão simples que qualquer um entende. A mágica está na simplicidade”, diz, ao abrir o site da FX e explicar a lógica da arbitragem e do mercado forex (um negócio de risco que envolve a compra e venda simultânea de duas moedas diferentes, para ganhar na variação da cotação).

Roberto fretou dois ônibus e levou mais de 150 pessoas para o evento no Credicard Hall, com recursos próprios, arcando com os custos de alimentação de todos. “Os meninos merecem comer bem”, diz.

Em jantar com líderes de sua empresa, antes do evento no Credicard Hall, Philip Han passa a mensagem do que espera dos investidores. “Estamos falando do multinível, que é uma indústria de US$ 800 bilhões. Se você não conseguir US$ 50 mil por dia, você é um fracassado”, diz.

Os clientes da FX foram conquistados graças a uma promessa “milagrosa” de multiplicação de dividendos. A empresa diz ter construído um robô virtual que compra moedas como o bitcoin no momento exato de maior baixa em sua cotação para revendê-lo no momento exato de maior alta na cotação do dia. Conseguiria, assim, um retorno para o investidor de 1,5% ao dia, já descontadas as taxas de administração.

Poucos dias depois do evento, no entanto, a FX foi proibida de operar pela CVM por atuação ilegal no mercado, sob pena de multa de R$ 1 mil ao dia. Investigadores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, também investigam a empresa liderada por Han. “Mas temos muitas limitações com essas empresas. Em geral, precisamos de vítimas para atuar e, nessas empresas, quando aparecem as vítimas, é quando o golpe foi concluído e os donos desapareceram”, conta um delegado da Polícia Civil de São Paulo.

Há pelo menos um mês antes do lançamento da F2, investigadores já diziam que Han preparava o fechamento da empresa. Ele começou a criar barreiras para a entrada de novos participantes e, nas redes sociais, avisou os líderes que iria lançar uma segunda empresa, nos moldes da FX. Ele também quer transformar a FX em uma corretora de compra e venda de moedas.

Em um encontro recente com um grupo seleto de participantes no condomínio de Alphaville, na região metropolitana de São Paulo, ele deu dicas do que virá pela frente. “O Han ainda vai montar uma empresa ‘legal’, sem multinível, para captar investimento e supostamente pagar os prejudicados na FX”, diz, sob condição de anonimato, uma dessas lideranças, que participou do encontro. Han também tem disparado vários vídeos, principalmente via WhatsApp, aos demais participantes da rede, com o objetivo de tentar acalmar os investidores.

O tom dos últimos vídeos de Han é o mesmo do adotado, semanas antes, por uma outra empresa investigada por prática de pirâmide financeira com criptomoedas, a Goodream, de Cascavel, no Paraná. Em junho, a empresa subitamente tirou seu site do ar e seus fundadores desapareceram, deixando cerca de 70 mil investidores sem notícias. Eles acionaram o Ministério Público e a Polícia do Estado.

A Goodream, de Oziel Rodrigues e Alan Souza, começou a desenhar o fim do golpe, segundo as autoridades, no fim de maio, quando os donos começaram a relatar dificuldades na operação devido uma “migração de sistemas”. A empresa travou os saques dos investidores, segurando o dinheiro no caixa, e intensificou as chamadas conferências, vídeos ao vivo realizados pelo Facebook e pelo Youtube, em que Rodrigues, o presidente, e Souza, o vice-presidente, explicavam a situação.

“Eles começaram a segurar o dinheiro e, como pagavam em dia até então, a gente acreditou que era só um problema. Mas, agora, tá na cara que levamos um golpe”, diz Ana Silva, que, junto do autônomo Carlos Alberto Quintino, ambos de São João da Boa Vista (SP), mantinham R$ 70 mil investidos. “É um negócio de risco, sabemos, e perder faz parte do risco. Mas a gente só quer o dinheiro investido de volta. Pode esquecer os juros, isso tudo bem”, conta.

OUTRO LADO

A reportagem tentou por 60 dias contato com Philip Han, da FX Trading, e os sócios da Goodream, Oziel Rodrigues e Alan Souza. Por meio da assessoria de imprensa, Han disse que os advogados entrariam em contato. Em uma ocasião, um homem que se apresentou como representante legal da FX falou com o Estado, com a intenção de agendar um encontro. Mas não disse sequer o nome e não voltou a entrar em contato.

Os donos da Goodream foram contatados por meio da ex-diretora de marketing da empresa, Regina Vitoria. A ex-funcionária negou conhecimento de qualquer esquema e disse que já estava em outro negócio, também de marketing multinível. Oziel Rodrigues e Alan Souza não retornaram as mensagens deixadas em seus celulares.

3 Comentários

  1. Marcinho disse:

    Os idiotas queriam se dar bem com a promessa de lucro fácil e agora vão dar trabalho ao governo com suas lamúrias. Todo dia tem golpe novo na praça e os gananciosos não se emendam e ainda querem “pelo menos” o valor investido de volta abrindo mão dos lucros, juros… Achei foi pouco. Esse pilantra vai abrir outra arapuca pra vocês caírem novamente seus idiotas gananciosos.

  2. Pedro Araujo disse:

    Eu me tornei em um multimilionário com esse tal de Philip Han.
    Obrigado.!

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